Prescrição Baseada em Evidência

Ao longo da minha formação como Personal Trainer, tive alguns pontos de virada que foram cruciais para que eu tivesse sucesso na profissão. Certamente aprender o VERDADEIRO significado de Prática Baseada em Evidências foi um deles.

Fora que nós lidamos com a saúde das pessoas, por isso, ter uma base científica para nortear nossas condutas é de extrema importância, no entanto, não é o que temos visto na maior parte dos centros de treinamento.

Por isso, quero começar esse texto falando sobre o que NÃO é uma Evidência Científica.

Evidência científica, é diferente de opinião. Quando você lê ou assiste algo num blog, programa de tv, jornal, site, portal de notícia, redes sociais ou até mesmo aqui, nesse texto que explica sobre prática baseada em evidência, não pode dizer que é uma evidência científica.

Para ser uma evidência científica, é necessário que seja publicado em um periódico científico, onde passará por um mecanismo de PEER REVIEW.

Este termo, em uma tradução livre, significa “revisão pelos pares”. Funciona assim:

Quando um jornalista escreve uma matéria, ou quando eu escrevo no instagram, podemos escrever o que quisermos. Literalmente, o insta é meu e eu escrevo o que eu quiser. Ninguém me controla, ninguém me supervisiona, ninguém passa um pente fino para ver se o que estou dizendo tem algum fundamento. Mas na literatura científica não é assim.

O problema é: em áreas muito técnicas, quem teria competência para julgar se um artigo tem qualidade científica, ou se é um monte de bobagens? Somente alguém com as mesmas qualificações, somente um dos PARES do autor.

Uma grande quantidade de informações sobre saúde e exercício físico disponíveis em sites e mídias sociais é imprecisa ou super parcial, porque não foi escrita ou verificada por especialistas.

A circulação de informações de baixa qualidade parece menos comum em outros setores, como engenharia ou direito, provavelmente porque menos pessoas têm experiência direta nessas disciplinas. Uma quantidade muito maior de pessoas já tentou diferentes programas de exercícios e dietas, fazendo com que se sintam confiantes para divulgar informações sobre o tema, porque têm alguma experiência no assunto.

No entanto, experiência e conhecimento são diferentes. Experiência pode ser adquirida simplesmente fazendo algo ao longo do tempo. Por exemplo, alguém que se exercita há 20 anos tem uma vasta experiência, mas não necessariamente conhecimento. Conhecimento envolve adquirir alto grau de domínio de um determinado tema, através de estudo, treinamento e aplicação prática.

Informações imprecisas podem se espalhar rapidamente entre o público, o que leva a vários equívocos sobre exercício e nutrição. A disseminação de informações imprecisas é problemática para os profissionais da saúde, pois os clientes podem seguir orientações contraproducentes ou até inseguras.

Muitas das informações sobre saúde e exercício divulgados na Internet, mesmo vídeos e textos que incluem referências científicas, podem estar criando confusão entre o público, o que dificulta para as pessoas saberem quais informações são precisas e confiáveis, inclusive profissionais de educação física.

Portanto, a inspiração e o empenho em escrever esse texto, foi para fornecer aos alunos e profissionais do exercício, o conhecimento necessário para que possam não apenas tomar decisões de forma mais assertiva, mas também, tenham competência para avaliar e questionar as informações que lhes são passadas.

A ideia é que vocês deixem de ser manipulados por profissionais que usam as referências de uma maneira equivocada, reducionista ou completamente parcial e passem a ter conhecimento para buscar as evidências e avaliar com senso crítico a qualidade da informação. O que vai impactar diretamente sua segurança e qualidade na prescrição, impactando ainda mais a vida dos seus clientes.

O que é Prática Baseada em Evidência

De forma simples, Prática Baseada em Evidências (PBE) é uma abordagem que se utiliza de pesquisas de alta qualidade nas tomadas de decisão, que dentro do contexto do treinamento, envolvem o planejamento e prescrição de programas de treinamento.

Historicamente esse movimento começou na medicina na década de 1980 e foi David Sackett um dos principais idealizadores deste movimento. Nos anos seguintes, se expandiu para todas as áreas da saúde: Educação Física, Nutrição, Fisioterapia. A PBE tem sido definida como o uso consciente, explícito e ponderado da melhor e mais recente evidência de pesquisa na tomada de decisões clínicas sobre o cuidado de pacientes/alunos.

Pesquisas desenvolvidas de forma criteriosa fornecem indícios para auxiliar na tomada de decisão clínica, mas nunca substituem o raciocínio sobre qual é a intervenção mais indicada em determinada situação clínica.

Se basear em evidência é completamente diferente de você se fechar nos resultados de um estudo.

O termo Pratica Baseada em Evidência é comumente mal interpretado…

“Prática Baseada em Evidência não significa seguir exatamente a pesquisa. Estudos servem apenas como um guia para aplicar na prática. Os verdadeiros praticantes de evidência baseada sintetizam o que sabemos das pesquisas e usam sua sabedoria no contexto de cada individuo para otimizar resultados.”

– Brad Schoenfeld

O melhor profissional é aquele que prescreve seus treinos Baseado em Evidência Científica, mas não que se fecha a ela. Consegue entender o que é melhor para seu cliente dentro do contexto dele, levando em consideração seus gostos e preferências individuais, para que haja aderência ao treino.

O mais alto nível de Evidência

As evidências científicas não nascem todas iguais. Qualquer pedaço de informação pode se constituir em evidência para guiar uma conduta. No entanto, um relato de um caso isolado não pode se sobrepor a um experimento com milhares de pessoas. Assim, há uma hierarquia das evidências – das mais modestas, às mais sólidas.

Por exemplo: Em uma investigação criminal, um testemunho é considerado uma evidência de nível mais baixo do que uma gravação de áudio e vídeo.

Uma testemunha pode se confundir em meio ao estresse, poderia estar longe, talvez a visão dela não seja tão boa, ou poderia estar escuro e a testemunha não viu direito.

Já na gravação, onde temos câmeras apontando para o local, mostrando a ação executada e pegando exatamente a face do sujeito, não há como ter falha… É algo fidedigno, assim fica muito difícil de você refutar.

As Evidência Científicas seguem a mesma linha de raciocínio. Existem evidências que são mais fortes e evidências que são mais fracas. Isso não significa que evidências mais fracas não sirvam para nada… Quando não há gravação de áudio e vídeo, a testemunha é a evidência mais forte, assim como na ausência de estudos de maior grau de evidência, os de menores graus são as que temos disponíveis para tomada decisão.

 

  • A evidência que tem menor valor é a Opinião de Expert. Afinal, opinião todo mundo tem, e o papel aceita qualquer coisa. Quando, porém, não há outros dados na literatura médica, aceita-se a opinião de um especialista como uma evidência provisória.
  • A seguir, vêm os Relatos de Caso. Consistem no relato de uma série de casos, a fim de que se possam extrair dados estatísticos sobre determinada doença/circunstância. Qual a idade média das pessoas com aquela doença, qual o sexo e a etnia das pessoas?
  • A seguir, vêm os Estudos de Caso-Controle, nos quais o investigador pega um grupo de pessoas com determinada doença e compara com outro grupo de pessoas que não tenham a doença.
  • A seguir, vêm os Estudos de Coorte, também conhecidos como observacionais, na qual se obtém dados (exames, questionários, etc) de um grande número de pessoas, e os acompanha por vários anos a fim de identificar quem desenvolve doenças, de forma a identificar possível fatores de risco no passado.
  • A seguir, vem o Ensaio Clínico Randomizado, o padrão-ouro da evidência, no qual um grande número de pessoas é “randomizada” (isto é, sorteada) para dois ou mais grupos; em geral, um grupo é submetido a uma intervenção (um remédio, uma dieta, um tipo de exercício), e o outro grupo serve como controle. O sorteio garante que os grupos sejam semelhantes entre si em TUDO, exceto na variável sendo testada. Este é o único tipo de estudo capaz de sugerir fortemente relações de causa e efeito
  • Por fim, no topo da cadeia alimentar da evidência científica, vem a Revisão Sistemática de Ensaios Clínicos Randomizados. Afinal, por puro acaso, um ensaio clínico randomizado pode achar um resultado que não seja real – uma flutuação estatística aleatória. Mas quando você tem, digamos, DEZ ensaios clínicos randomizados que tratam sobre o mesmo tema, uma revisão sistemática e metanálise pode combinar matematicamente os dados de TODOS eles, o que empresta a esta análise um peso superior ao dos estudos isolados. Por este motivo, a revisão sistemática é considerado o mais alto nível de evidência científica.

Separando o Joio do Trigo

Apenas para esclarecer alguns conceitos, vamos dar alguns exemplos que podem abrir a mente do leitor que chegou até aqui.

Um estudo observacional é um estudo análogo ao que seria o testemunho (ou seja, uma evidência de calibre um pouco mais baixo). Já um experimento, é o que chamamos de Ensaio Clínico Randomizado, isso é análogo a uma gravação, tem um poder muito maior em relação a dizer se é uma verdade ou não.

No estudo observacional, é observado o que a pessoa fez e o desfecho.

É usada uma pessoa num determinado período, onde ela não será avaliada efetivamente em nada, só serão apanhadas as informações do início e do final, podendo ser feito de uma forma prospectiva ou retrospectiva. Mas de maneira geral, você simplesmente estabelece correlações, mas não pode estabelecer causa e efeito porque existem o que chamamos de variáveis ocultas.

Repare no exemplo abaixo, onde existe uma correlação direta entre ataque de tubarão e consumo de sorvete na Austrália.

A imagem trás inclusive um alarde sobre restringir a quantidade de sorvetes para não ser atacado por um tubarão… O que obviamente é uma brincadeira, porque CORRELAÇÃO NÃO É CAUSALIDADE,  é apenas uma associação.

Olhando o estudo podemos ter a seguinte conclusão: comer sorvete faz com que você seja atacado por tubarão.

Faz algum sentido isso? Aparentemente não.

Por que você acha que isso acontece? Porque durante o verão, o calor faz as pessoas tomarem mais sorvetes, assim como as praias ficam mais cheias. Até onde eu sei, os tubarões só atacam no mar, o que explica porque o aumento de pessoas na praia também está associado ao aumento da quantidade de ataques.

Ainda sobre esse tema, um estudo que foi publicado como uma brincadeira no NEJM, uma das revistas mais prestigiadas da medicina, para mostrar que é possível uma correlação aleatória entre diversas coisas.

Nesse estudo, os pesquisadores mostraram a relação do Consumo de Chocolate associado vencedores de Prêmio Nobel. Então, isso significa no Brasil, para ganharmos mais Prêmios Nobel, incentivarmos o consumo de chocolate? Faz algum sentido isso? Óbvio que não.

Tenho visto dentro da nossa área, cada vez mais profissionais baseando suas condutas em estudos observacionais, o que pode acabar levando a erro na conduta.

Por que estou dando tanta ênfase nisso? Simplesmente porque atualmente eu dificilmente uso meu tempo para ler estudos observacionais. Com tanta informação sendo publicada, preciso usar o meu tempo da maneira mais sábia possível e saber escolher as melhores evidências pode ser de grande valia para gerenciar o seu tempo.

Dentro da nossa área, podemos ver isso nesse estudo que foi publicado pelo grupo Jeremy Loenneke, sugerindo que a correlação não mostra causa e efeito nem mesmo para mudanças no tamanho e força muscular.

A grosso modo isso quer dizer que carregar muito peso, não necessariamente, significa que você vai ser grande e hipertrofiado.

Ex.: Um fisiculturista, tem volume muscular muito maior que um levantador de peso olímpico, no entanto, os levantadores conseguem erguer cargas bem maiores.

Hipertrofia está relacionado a uma adaptação que depende entre outras coisas do aporte de proteína e calorias. Já o aumento da força está relacionado a capacidade de produção de tensão mecânica no músculo.

São duas são adaptações distintas, que podem estar relacionadas ou não. Isso é muito relevante quando falamos em emagrecimento por exemplo, ao comparar características dos praticantes de diferentes modalidades esportivas e relacionar com as adaptações que aquela modalidade pode gerar no corpo.

Um exemplo que vejo com frequência nas redes sociais é a comparação entre corredores de rua e modalidades intervaladas, como se um fosse superior ao outro baseado em observações fora de contexto.

Como é a dieta, os hábitos de vida, genética, etc?! Não podemos tirar conclusões corretas apenas com estudos observacionais.

Já um Ensaio Clínico Randomizado, é o que eu mais olho e uso na minha prática e talvez o tipo de estudo que tem a capacidade de nos fornecer informação mais direta sobre nossa conduta na prática.

Nesse tipo de estudo, pegamos um grupo de pessoas e as dividimos em 2 ou mais grupos, sendo apenas uma variável que será estudada.

Exemplo: 50 pessoas são sorteadas para participar de um programa de treinamento cardiorrespiratório, sendo que um deles é contínuo moderado e o outro intervalado de alta intensidade.

Ao final do estudo avaliamos o desfecho da variável que queremos estudar. Se houver diferença entre os grupos, a causa do desfecho não é pelo acaso, ela se dá por conta da intervenção.

No entanto, nesse tipo de estudo também precisamos nos atentar ao desfecho selecionado para ser estudado.

O que seria isso? Temos dois tipos de desfechos:

Desfecho Concreto, o que realmente interessa para o paciente.

Exemplos:  aumento de massa magra, perda de peso, perda de gordura, redução da dor, melhora do desempenho.

Desfecho Substituto, é aquilo que poderia levar ao desfecho concreto, como um mecanismo relacionado, mas ainda assim, não é exatamente o desfecho concreto.

Exemplo: o aumento da síntese proteica, tem uma relação direta com a massa magra, mas não é uma obrigação, se você só avaliar a síntese proteica nem sempre o paciente vai aumentar a massa magra. É preciso entender também a quebra de proteína. É necessário saber o que aconteceu, só a síntese não vai nos dar todas as informações.

Assim como a utilização do substrato energético, o fato de usar mais gordura como fonte de energia, não vai fazer com que o paciente emagreça mais. É preciso olhar se o paciente, depois da intervenção, emagreceu ou permaneceu com o mesmo peso, não se ele gastou mais gordura durante o exercício. É preciso se apegar ao desfecho que realmente interessa.

Existem inúmeros desfechos, inúmeros exemplos de estudos em que os desfechos substitutos melhoraram, mas os pacientes não tiveram resultados esperados. Isso acontece em diversas situações:  enzimas, hormônios, sínteses proteicas, oxidação de gordura.

O exemplo a seguir é um estudo usado muitas vezes para falar da eficácia do treino intervalado sobre o contínuo no processo de Emagrecimento.

Este estudo comparou o Treino Contínuo vs Treino Moderado em 32 pacientes com síndrome metabólica. Os resultados do estudo mostraram aumento significativo da PGC1 alpha (uma proteína co-ativadora que se liga a fatores de transcrição, levando ao aumento da expressão de genes envolvidos na biogênese mitocondrial e aumento da função respiratória, causando aumento da capacidade enzimática para beta-oxidação de ácidos graxos, ciclo de Krebs e fosforilação oxidava).

Como esta enzima está relacionada à oxidação de gordura, algumas pessoas usam essa informação para dizer que o treino intervalado é superior ao contínuo, no entanto, esse não é o desfecho que mais importa no EMAGRECIMENTO.

No entanto, se estamos falando de emagrecimento, o desfecho que importa é o peso, ou melhor, o peso de gordura.

E o mais impressionante é que o estudo também mostra o resultado do peso corporal. Infelizmente não mostra os peso dos diferentes tecidos (composição corporal), mas ele tem observe o que aconteceu com o peso e a circunferência abdominal dos sujeitos em cada grupo:

Os sujeitos do grupo moderado foram de 91kg para 87kg, já os sujeitos do grupo treino intervalado, foram de 91kg para 89kg.

Não temos como saber se o grupo intervalado perdeu mais gordura e menos massa magra e se o grupo moderado perdeu massa magra, pois o estudo não avaliou isso. Mas foi avaliada a circunferência da cintura e o grupo moderado saiu de 105cm para 99cm, enquanto o grupo intervalado saiu de 105 cm para 100 cm.

Este estudo não nos dá as informações de que o treino intervalado é melhor para quem quer emagrecer, mas ele já foi afirmar que a PGC1 alpha aumentou e então o treino intervalado é melhor.

Observe que o próprio estudo nos mostra que essa conclusão não é verdade, precisamos apenas olhar buscando as informações adequadas.

E é sobre isso que se trata esse texto. Saber para onde olhar em meio a tanta informação.

Da próxima vez que forem impactados com alguma informação, tenham a sabedoria de avaliar os detalhes sobre desfecho e tipo de estudo. Você vai começar a perceber o quanto somos impactados com informação de baixa qualidade, incorreta ou enviesada.

Se você não tem como comprovar aquilo que está falando com a ciência certa (com os dados adequados), está no caminho errado. Comumente temos visto profissionais com bases que talvez não sejam exatamente aquilo que estão querendo vender.

Para nos diferenciarmos num mercado cada vez mais competitivo e num mundo com cada vez mais informação (desconectada ou errada) precisamos ter assertividade na nossa prescrição. Precisamos saber exatamente por que escolhemos tal exercício, com número de séries e repetições, num intervalo específico.

Esse é o grande diferencial do profissional que prescreve algo baseado em evidência daquele que prescreve por crença ou repetição (sempre fiz assim ou foi assim que fizeram comigo).

A diferença entre uma foto e um vídeo

Talvez, um dos maiores equívocos que eu veja na educação física seja a utilização de estudos agudos para tirar conclusões crônicas. O que quero dizer com isso?

Imagine que olhe uma foto… Incialmente ela te parece uma coisa, mas dependendo do ponto de vista ou no momento seguinte, a conclusão poderia ser outra. Didaticamente descrito na imagem abaixo, de um objeto em diferentes pontos de vista:

Ao exemplificar o exemplo acima no contexto da educação física, pode ser que o que eu mostre agora seja chocante para alguns de vocês, mas eu preciso mostrar… Com muita frequência vejo profissionais atribuindo o benefício do treino de força no processo de emagrecimento ao aumento da Taxa Metabólica Basal.

Vários estudos já mostraram que uma sessão aguda de treino de força pode elevar o gasto energético de maneira significativa em 24h e que isso seria o motivo de sugerir que nossos clientes façam treino de força.

Veja bem, eu concordo que nossos clientes devam treinar força, mas será que esse realmente é o motivo?

Nesse estudo, jovens sedentários treinaram 3x por semana durante 6 meses. Os resultados mostraram que houve aumento da TMB como mostrado na imagem abaixo:

No entanto, quando olhamos para o grupo que realizou treino de força, o que vemos é um aumento do peso através do aumento da massa magra, mas também um leve aumento da massa gorda.

Com base nesses dados, será que realmente podemos dizer que o aumento da TMB proveniente do Treino de Força é um fator importante para o Emagrecimento?

Meu entendimento sugere que não. E existem vários motivos que podem explicar este achado, sendo o mais importante deles o fato de que o principal mecanismo para emagrecimento é o Déficit Energético. De nada adianta fazer exercício se o consumo calórico estiver alto. Mas isso será abordado em outro momento. Queria apenas mostrar que sabendo coletar informações de maneira correta, temos maior poder de questionar e pesquisar todas as informações que tentarem nos enfiar goela abaixo.

Sugiro inclusive que você pegue os estudos que mostro aqui e leia eles na íntegra, se atentando à metodologia e todos os outros pontos tocados aqui.

Mas a lição nesse capítulo é: O que acontece durante ou após um único treino não pode predizer a adaptação que acontecerá após um período de tempo. Cuidado ao tirar conclusões precipitadas!

Os resultados e conclusões dos estudos se aplicam igualmente a todos?

Estudos servem como guia… Eles são o ponto de partida para uma prescrição individual. Isso porque, as pessoas não respondem igualmente a uma mesma intervenção.

Vamos a um exemplo prático: Estudo que avaliou peso corporal antes e após uma intervenção de 24 semanas de exercício aeróbico.

A média de perda e peso relatada no estudo foi de aproximadamente 4kg, no entanto repare que algumas pessoas perderam peso de maneira significativa apenas adicionando exercícios em suas rotinas (sem orientação nutricional), enquanto outras, chegaram a ganhar peso, fazendo o mesmo programa de treinamento.

Apenas para mostrar que variabilidade individual nas respostas pode acontecer em qualquer tipo de intervenção, segue mais um exemplo, agora mudanças no tamanho do músculo:

Enquanto alguns sujeitos tiveram aumento significativo na área de sessão transversa muscular, outros perderam massa magra mesmo realizado treino de força.

Esse é um dos principais cuidados que devemos tomar ao analisar evidências cientificas: como aplicar os achados dos estudos em diferentes indivíduos. Prescrever treinos para alunos reais, é muito diferente de fazer ciência.

Fazer ciência é uma coisa, ser um treinador é outra.

Um pesquisador e um Treinador têm visões diferentes sobre como usar os dados de estudos e aplicar na prática. Mas isso não significa que seja uma questão de certo ou errado!

Um pesquisador está em busca de orientações gerais, ele olha um estudo como este, vê essa média e entende que teve um provável efeito positivo. Já um treinador visa otimizar resultados individuais. Quando utiliza uma intervenção com seus alunos ou atletas, sabe que precisa mudar algo para ter resultados diferentes naqueles que não responderam a intervenção inicial.

Por isso sempre chamo atenção ao fato de que estudos servem apenas como ponto de partida para prescrição. Os verdadeiros praticantes de PBE sintetizam os achados dos estudos e usam sua sabedoria no contexto de cada indivíduo para otimizar resultados.

Na LUND TRAINERS, fazemos exatamente isso. Eu e todos os profissionais por mim orientados, temos utilizado na Prescrição do Treinamento um conceito que gosto de chamar de Abordagem Centrada no Aluno.

O objetivo principal é tentar entender ao máximo quem é a pessoa que está na nossa frente e desenvolver um programa em conjunto com ela. Na medicina isso é chamado Decisão Compartilhada. Porque não usar esse mesmo conceito na prescrição e envolver o aluno, de forma que ele se sinta fazendo parte do planejamento?!

Na indústria do fitness, a maioria dos Profissionais segue uma abordagem centrada no Profissional. É algo assim:

“Eu sou o especialista e você fará o que eu disser. Porque é bom para você.”

Isso até funciona… Quando seu cliente é do BOPE. Leia: altamente disciplinado, faz o que é preciso (não importa o custo) e sempre segue às ordens.

Mas funciona com todo mundo? Não. Isso faz com que seja uma estratégia pouco eficaz a longo prazo para a maior parte das pessoas.

A correção: uma Abordagem Centrada no Cliente. A ideía é simples: Coloque o cliente no Centro da Prescrição. Considerando seu contexto como um todo. Desde seu Estágio de Consciência para o Treino até seus Objetivos, Necessidades e Preferências.

Estágios de Consciência do Aluno/Cliente

Treinar quem gosta é diferente de treinar quem Precisa!

Digo isso, porque nem sempre é possível iniciar um programa de treinamento com o que seria o treino ideal para o aluno. E um dos melhores fatos que eu tenho para exemplificar essa afirmação, é minha mãe

Durante muito tempo eu insistia que ela deveria treinar. Prescrevia um “treino perfeito”, considerando seus objetivos e necessidades, mas ela simplesmente não conseguia seguir com consistência durante o tempo necessário para começar a ver resultados…

Na cabeça dela, mesmo que eu explicasse, ainda não era claro o benefício de frequentar academia para levantar pesos 
ou fazer intervalados na bike.

Foi quando ela começou a dançar e passou a fazer personal de dança. Amou! Não queria outra coisa. Ela estava tão animada com as aulas do o Hélio (@dancefunfitness) que contratava ele para fazer aulão de dança nas festas de família.

O tempo foi passando, ela foi evoluindo e começou a sentir necessidade de fazer algo direcionado para que o corpo dela aguentasse mais a dança; sem sentir dores e melhorasse seu desempenho. Ela pediu ajuda do filhinho (eu mesmo) e nesse momento, minha idéia já estava completamente diferente: Pequenas intervenções, em casa mesmo, apenas com peso corporal e os poucos materiais que ela tinha.

Ela se sentia cada vez melhor, mais forte, mais magra, mais confiante e viu que poderia ficar ainda melhor, se fizesse um treino direcionado para ela.

Encurtando a história, começou a treinar comigo na @lundtrainers 1x por semana, aumentou para 2x e agora vai 3x por semana (sai de Ipanema para treinar na Barra – quem é do Rio entende o que quero dizer), perdeu peso, ganhou massa magra, reduziu as dores e agora é outra pessoa.

Essa é apenas uma de muitas histórias de pessoas que nem sempre estão prontas num primeiro momento para um treino mais “rígido”, pensado e periodizado para atingir mais rápido os objetivos desejados.

Porque para muitas pessoas, uma volta na quadra, uma série de flexão ou uma aula de dança, podem ser a única coisa que ela precisa para dar o primeiro passo na longa jornada que é o exercício na nossa vida.

No caso da Myrian, para chegar no momento em que dirigia de Ipanema até a Barra (pode levar mais de 1h no transito) apenas para treinar, ela precisou passar por 2 estágios anteriores. Teria sido impossível pulando degraus ao invés de subir um por um…

Esse aprendizado mudou minha vida e a forma como eu atuo com meus clientes!

Você pode até pensar: “Mas Rafa, isso não é Prática Baseada em Evidência!”

No entanto, enga-se quem acha que não… Prática baseada em Evidência é o peso da evidência científica atual, conjugado com a Experiência do profissional em campo e também considera as preferências e necessidades/habilidades do cliente.

Inclusive, em 2021 um estudo na Nature apresentou uma proposta muito similar a esse conceito que eu venho ensinando a anos.

No método Lund vocês vão me ouvir falar muito ao longo do curso sobre: OBJETIVOS, NECESSIDADES E PREFERÊNCIAS.

É isso que eu faço com quase todos os meus alunos. Eu tento pensar em prescrever os treinos deles levando em consideração o que ele quer (o objetivo esperado como hipertrofia ou emagrecimento), o que ele precisa (que muitas vezes nem ele sabe o que é, mas iremos detectar na avaliação, como dores, disfunções de movimento ou melhorar índices de pressão e glicose) e também aquilo que ele sente prazer fazendo.

Como levar em Consideração as preferências dos Alunos?

Recebi a seguinte pergunta de um aluno do Método Lund: 

“Você fala muito sobre montar um treino com o que o cliente gosta. Mas às vezes o que ele gosta não vai gerar o resultado que ele quer. Como funciona isso? Então uma estratégia é colocar algumas coisas que ele precisa, e outras que ele gosta. Certo? Se essa estratégia não gerar resultado que ele espera e ele resolver te responsabilizar por isso? Como você faz?”

A pergunta trouxe uma abordagem que uso com frequência sobre exercícios e atividades que o cliente gosta e o que ele precisa.

Na vida de um profissional baseado em evidência, precisamos também informar ao cliente sobre as repercussões das suas escolhas. No âmbito médico isso se chama decisão compartilhada. No treinamento eu englobo isso no nosso conceito de abordagem centrada no aluno.

Você expõe todas as opções, levando em conta o que seria melhor, mas mostra que pode ser possível conseguir de outras formas.

Exemplo prático: O aluno chega no estúdio, e fala que quer ganhar massa magra. Mas que não gosta de treinar musculação. Aí temos uma dificuldade, pois para quem quer ganhar massa magra, o treino de força (musculação tradicional) certamente é a melhor opção. Mas se a pessoa não gosta, você tem a obrigação de explicar que tentará uma forma alternativa que não é capaz de gerar o mesmo resultado, mas que nós vamos ir avaliando ao longo do tempo se houve aumento de massa magra para gerenciar o treino.

Isso pode parecer estranho, mas imagine um sujeito que vai a um médico e descobre que seus rins estão completamente danificados e que ele precisa de um transplante.

Ao ouvir a indicação de transplante o paciente argumenta que sua religião não permite que ele coloque o órgão de outra pessoa no corpo dele e pede por uma nova alternativa.

O médico retifica que essa é a melhor alternativa e que caso não possa ser feita, o paciente terá que fazer diálise 2x por semana, que é um procedimento caro e que exige tempo.

O paciente escolhe essa opção, porque a outra é simplesmente impossível para ele.

Embora essa seja uma história inventada, nem sei se daria para resolver com diálise o problema renal citado, mas o fato é que ouvir o cliente é fundamental para que você consiga aderência ao treinamento, no entanto, você precisa explicar as repercussões das escolhas.

RECAPITULANDO

Basear em Evidência significa apenas seguir exatamente o protocolo de estudo. Estudos servem como base para sua tomada de decisão.

Escolher o estudo correto para sua pergunta clínica faz toda diferença, por isso, de forma simples, sugiro que prestem atenção aos seguintes detalhes quando forem ler ou avaliar a aplicação prática de um estudo:

Nível de evidência:  se é um estudo observacional, um Ensaio Clínico Randomizado ou uma Revisão Sistemática e Metanálise;

Tipo de estudo: Agudo ou Crônico;

Desfecho: Concreto ou Substituto

Nível de significância: Estatística ou Clínica

TAREFA PBE

Saber ler, interpretar e mais ainda, aplicar o que foi estudado, é que torna um profissional diferenciado na Educação Física.

Não é seguir o estudo à risca, mas integrar objetivos, necessidades e preferencias do aluno, para elaborar um programa de treinamento que seja realmente individual.

Por isso, quem quer trabalhar na Lund Trainer ou qualquer projeto que eu esteja envolvido, o primeiro teste é realizar um fichamento de um estudo que siga as diretrizes citadas anteriormente.

Então, para testar se você realmente entendeu o conceito que exponho aqui, sugiro que faça essa mesma tarefa. Faça o fichamento de um estudo mostrando exatamente como ele pode influenciar sua prática.

1 – Precisa ser um Ensaio Clínico Randomizado, ou seja, tem que haver grupos experimentais. 

2 – Precisa ser um estudo longitudinal. Ou seja, não pode ser um estudo agudo, ele tem que ser feito ao longo de um tempo e tentem escolher um tempo relativamente grande como 3 meses por exemplo. De 2 a 3 meses é um tempo razoável. Temos vários estudos em treinamento de 4 semanas, essa opção é caso não tenha outra. Estudos mais longos, com resultados mais pomposos, sem dúvida irão responder melhor suas perguntas.

3 – O desfecho deve ser clínico, não pode ser um desfecho substituto.

DESFECHO CLÍNICO: É o que interessa para nós, se perdeu peso, ganhou massa magra, reduziu a dor.

DESFECHO SUBSTITUTO: É todo o restante. Volume de treinamento, síntese proteica, oxidação de gordura.

PS: O Fichamento com análise critica do estudo escolhido, deve ser realizado seguindo esse modelo.

Sugestões de Leitura Adicional

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn

Veja também